“Sádico” e “necrófilo”

Narrativas médico-legais nos “crimes de Preto Amaral” (São Paulo, Brasil, 1926-1927)

Autores

DOI:

https://doi.org/10.34913/journals/lingua-lugar.2023.e1486

Palavras-chave:

Masculinidades negras, Narrativas médico-legais, Racismo, Brasil

Resumo

No final da década de 1920, na cidade de São Paulo, Brasil, uma série de crimes sexuais foram atribuídos a José Augusto do Amaral, homem, negro, 55 anos. A partir da micro-história, o artigo remonta aos assassinatos de três jovens do sexo masculino, crimes com características próprias do sadismo e da necrofilia, que referendavam diagnósticos da degenerescência e da criminalidade nata. Ao problematizar narrativas médico-legais divulgadas no compêndio Psiquiatria Clínica e Forense, de Antonio Carlos Pacheco e Silva (1945), bem como seus impactos na imprensa paulistana à época, o artigo acessa dimensões étnico-raciais que classificaram homens negros como degenerados. Os achados permitem considerar que a psiquiatria-forense não somente fabricou masculinidades negras perversas e sexualmente desregradas, mas suas narrativas mantêm significados histórico-sociais racistas e discriminatórios, ontem e hoje.

Biografia Autor

Paulo Fernando de Souza Campos, Universidade de Santo Amaro (UNISA), São Paulo

Paulo Fernando de Souza Campos é doutor em História pela UNESP/Assis, com pós-doutorado em História da Enfermagem pela EE/USP/FAPESP. Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas da UNISA. Pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação - LEER/USP, São Paulo, Brasil.

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Publicado

2024-03-06

Como Citar

de Souza Campos, P. F. (2024). “Sádico” e “necrófilo”: Narrativas médico-legais nos “crimes de Preto Amaral” (São Paulo, Brasil, 1926-1927). Língua-Lugar : Literatura, História, Estudos Culturais, 1(6), 112 — 129. https://doi.org/10.34913/journals/lingua-lugar.2023.e1486